Saúde e Felicidade são fenômenos interrelacionados, uma vez que a doença pode transformar-se em uma potencial fonte de infelicidade para as pessoas que a experienciam e os indivíduos que as cercam. 

Para Veenhoven (2008), a saúde pública pode ser promovida através de políticas que visem maior felicidade para um número maior de pessoas. Em sua análise realizada com 30 estudos de acompanhamento sobre felicidade e longevidade, ele suscita que a felicidade não cura doenças, mas protege contra o adoecer. 

Em se tratando de adoecimento, as Doenças Crônicas não Transmissíveis - DCNT´s, são patologias importantes, pois resultam em enorme impacto socioeconômico e constituem as principais causas de mortalidade e morbidade no mundo e no Brasil. Matam cerca de 41 milhões de pessoas a cada ano, o equivalente a 71% de todas as mortes no mundo. Sendo 77% dessas mortes em países de baixa e média renda (BRASIL, 2021). 

Pesquisar este tema sob a ótica dos fatores protetivos, é muito relavente, uma vez que grande parte dos estudos são voltados para a prevenção dos fatores de risco. Analisar conjuntamente tanto os fatores de risco quanto os de proteção possibilita novas perspectivas e abordagens indispensáveis para a efetiva prevenção e controle das doenças crônicas. 

Apesar da subjetividade que permeia o tema felicidade, é possível definí-la e mensurá-la. Um dos constructos mais citados na Psicologia Positiva, ciência dedicada ao estudo da Felicidade, Bem-Estar e Autorrealização é da Dra. Sonja Lyubomirrski (2011), em que a Felicidade é a definida como “Experiência de alegria, contentamento ou bem-estar, combinada com a sensação de que a vida é boa, significativa e vale a pena”. 

Dessa forma, o presente estudo investigou a ocorrência de desfechos positivos em saúde, tanto nas pesquisas do Brasil como no mundo, relatados a partir da associação entre os termos felicidade e DCNT´s mais prevalentes, como a hipertensão arterial, diabetes mellitus, e doenças respiratórias crônicas.   

Apesar do interesse no tema Felicidade ter aumentodo, poucos trabalhos científicos foram publicados sobre o papel desta no incremento da saúde e vice-versa. 

Os principais achados da literatura nacional e internacional que correlacionam com o objeto deste estudo foram reunidos a seguir: 

  • Um estudo realizado por Steptoe, Wardle e Marmot (2005) verificou que indivíduos que afirmaram serem mais felizes apresentaram menores níveis de cortisol na saliva. Esta relação é potencialmente relevante, uma vez que o cortisol é um hormônio do estresse relacionado a uma série de patologias, tais como obesidade abdominal, diabetes tipo 2 e hipertensão. 
  • Outro estudo de destaque, analisou dados de 15 mil indivíduos amostrados aleatoriamente, em 16 países europeus e concluíu que nos países com maiores níveis de felicidade entre seus habitantes, apresentaram menores prevalências de hipertensão arterial. (Blanchflower e Oswald, 2008). 
  • Ainda nesta perspectiva, a empresa de consultoria CVA Solutions, realizou em 2018, pesquisa com os seguintes achados: 67% dos entrevistados que se dizem muito felizes afirmam ter saúde boa ou excelente, independentemente da idade. Entre os participantes que se afirmaram felizes, 40% tem Índice de Massa Corpórea (IMC) normal e 51% praticam atividade físicas pelo menos três vezes por semana. A felicidade também está associada à prevenção: 64% dessas pessoas visitam algum médico regularmente e 14,4% participam dos programas de prevenção. Além disso, 73% dos entrevistados “felizes” não têm doenças crônicas,  apenas 7,8% são hipertensos. 
  • Cabe destacar que a infelicidade ou a presença crônica de emoções de valência negativa, além de reduzir a resposta imunológica, também aumenta a pressão arterial devido uma descarga do sistema simpático (COHEN, 2002). 
  • Para Ballone; Pereira Neto (2007), as pessoas que são bem-humoradas e riem com maior frequência são geralmente mais saudáveis e têm maior probabilidade de aderirem a hábitos que promovam a saúde, além de maior motivação intrínseca para investir ativamente no seu tratamento. 
  • Neste sentido, este resultado torna-se interessante, ao passo que, no Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos Não Transmissíveis no Brasil, de 2021-2030, o autocuidado é primordial nas políticas de saúde integral das DCNT. 
  • Richman et al. (2005) argumentaram que a felicidade e o bem-estar podem fornecer uma "ampla base de resiliência" contra doenças crônicas. 
  • Por outro lado, Diener e Chan (2011), sugeriram que, como diferentes tipos de doença envolvem diferentes processos fisiológicos e causas, a força da associação entre felicidade e bem-estar e risco de doenças provavelmente varia entre diferentes tipos de doenças. 
  • Por fim, o estudo intitulado “English Longitudinal Study of Ageing” (ELSA), cuja a amostra de base populacional contempla dados sobre a incidência de uma série de doenças crônicas entre homens e mulheres com 50 anos ou mais, fornece mais evidências para o efeito protetor à saúde. Além de corroborar resultados anteriores sobre a associação entre felicidade, diabetes, doença pulmonar crônica e infarto do miocárdio, o estudo demonstra ainda a associação a outra condição crônica: artrite reumatóide (STEPTOE, A.; WARDLE, J.; MARMOT, M, 2005). 

Dessa forma, pode-se concluir que, existem estudos que endossam a relação entre felicidade e DCNT’s. Contudo, essa relação ainda é muito pouco abordada.

Por ser um tema emergente, deve ser melhor explorado. Além disso, é igualmente importante, realizar estudos sobre esse tema com a população brasileira, a fim de entender melhor as diferenças e similaridades das concepções de felicidade e saúde aqui em nossa cultura. 

É pertinente frizar a importância de analisar conjuntamente tanto os fatores de risco quanto os de proteção, um não deve excluir o outro, para que haja novas perspectivas e abordagens na prevenção e controle das doenças crônicas. 

Contudo, esta abordagem da felicidade como fator protetivo para as DCNT’s mais prevalentes citadas neste estudo, pode ser favorável não apenas à porcentagem da população que já apresenta estes eventos mórbidos, mas sobretudo a indivíduos considerados saudáveis. 

Por fim, as informações aqui apresentadas são aplicáveis aos serviços de saúde, especialmente no fomento e investimento de pesquisas no campo da epidemiologia que abranjam indicadores positivos de saúde e fatores protetivos. 

Para mais, sugere-se que seja inserida e estimulada a reflexão sobre ciência da Felicidade e Bem-Estar na formação de profissionais e gestores em saúde, com intuito efetivo de consolidar movimentos importantes neste campo. 

REFERÊNCIAS:

BALLONE, G. J.; PEREIRA NETO, E. Humor e doenças. In: BALLONE, G.; ORTOLANI, I.; PEREIRA NETO, E. (Org). Da emoção à lesão: um guia de medicina psicossomática. São Paulo: Manole, 2007.

BLANCHFLOWER, D. G.; OSWALD, A. J. Hypertension and happiness across nations. Journal of Health Economics, v. 27, p. 218–233, 2008.

BRASIL. Ministério da Saúde. Cenário das doenças crônicas não transmissíveis no Brasil, 2021. Disponível em <https://www.gov.br>. Acesso em 12-09-2022.

BRASIL. Ministério da Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas e agravos não transmissíveis no Brasil - 2021-2030. Disponível em <https://www.gov.br>. Acesso em 10-09-2022.

COHEN, S. B. Happiness and the immune system. Positive Health, v. 82, p. 9–15, 2002.

CVA SOLUTIONS. A felicidade traz saúde, comprova estudo, 2018. Disponível em <https: https://www.cvasolutions.com/pt/a-felicidade-traz-saude-comprova-estudo-e-o-que-e-preciso-para-ser-feliz>. Acesso em 08-09-2022.

Diener E, Chan MY. Pessoas felizes vivem mais: o bem-estar subjetivo contribui para a saúde e a longevidade. Appl Psychol Health Well Being 2011; 3: 1- 43.

Okely J. A. ; Gale, C. R. Bem-estar e Incidência de Doenças Crônicas: O Estudo Longitudinal inglês do Envelhecimento, 2016. Disponível em <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4819773/>. Acesso em 26-09-2022.

Richman LS, Kubzansky L, Maselko J, Kawachi I, Choo P, Bauer M. Emoção positiva e saúde: indo além do negativo. Psicol de Saúde 2005; 24: 422- 9.

STEPTOE, A.; WARDLE, J.; MARMOT, M. Positive affect and health-related neuroendocrine, cardiovascular, and inflammatory processes. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 102, n. 18, p. 6508–6512, 2005.

Veenhoven, R. Felicidade saudável: Efeitos da felicidade na saúde física e as consequências para os cuidados preventivos de saúde. Journal of Happiness Studies: Fórum Interdisciplinar de Bem-Estar Subjetivo, 2008. Disponivel em<https://doi.org/10.1007/s10902-006-9042-1>. Acesso em 08-09-2022.